quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Um dualismo de substância

No artigo "The Immaterial Aspects of the Thought", James Ross argumenta que alguns aspectos do pensamento são imateriais. Ele baseia seu argumento na ideia de que alguns pensamentos são determinados entre funções incompatíveis, de uma forma que nenhum processo físico, série de processos ou função fisicamente determinada entre processos pode ser. O resultado é que tal pensamento nunca é idêntico a nenhum processo ou função física.

Para ilustrar seu argumento, Ross usa o exemplo da adição. Ele argumenta que, quando adicionamos dois números, não estamos simplesmente seguindo uma série de regras físicas ou computacionais. Em vez disso, estamos aplicando um conceito abstrato de adição, que é independente de qualquer processo físico específico.

Ross também argumenta que nossos pensamentos são muitas vezes intencionais, ou seja, eles são dirigidos para um objeto específico. Ele sustenta que essa intencionalidade não pode ser explicada por processos físicos, pois os processos físicos não são intencionais por natureza.

Além do exemplo da adição, Ross também utiliza outros exemplos no artigo para ilustrar seu argumento. Um desses exemplos é o da compreensão de uma metáfora. Ele argumenta que, quando compreendemos uma metáfora, não estamos simplesmente seguindo uma série de regras físicas ou computacionais. Em vez disso, estamos fazendo uma conexão entre dois conceitos que são, em princípio, incompatíveis.

Outro exemplo utilizado por Ross é o da criatividade. Ele argumenta que, quando somos criativos, não estamos simplesmente seguindo um modelo físico ou computacional. Em vez disso, estamos produzindo algo novo e original.

Ross também argumenta que nossos pensamentos são muitas vezes subjetivos, ou seja, eles são experimentados de uma forma única por cada indivíduo. Ele sustenta que essa subjetividade não pode ser explicada por processos físicos, pois os processos físicos são objetivos por natureza.

Por fim, Ross argumenta que nossos pensamentos são conscientes, ou seja, somos conscientes de que estamos pensando. Ele sustenta que essa consciência não pode ser explicada por processos físicos, pois os processos físicos não são conscientes por natureza.



segunda-feira, 5 de junho de 2023

Sentido

 De acordo com um dos magníficos pensamentos de Pascal, os problemas humanos surgem da incapacidade do homem permanecer em repouso, sentado por algum tempo. Isto parece a prima facie um pensamento um tanto estranho de imaginar e até mesmo superficial. Mas Pascal prossegue argumentando que não é o mero repouso inanimado que resolve o caos humano. Muito pelo contrário. Ele indica que o próprio repouso é insuportável pelo tédio que gera. O tédio no repouso é insuportável pelo desespero que gera quando uma reflexão inata é evidenciada em tal repouso: nossa condição leviana, ignorante, miserável, e mortal. "Ele sente então todo o seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio. Imediatamente nascerão do fundo de sua alma o tédio, o negrume, a tristeza, a mágoa, o despeito, o desespero." O desespero insuportável leva à diversão, que "nos entretém e nos faz viver insensíveis" em relação à essas condições humanas. Sem a diversão, o homem buscaria meios mais sólidos de escapar da morte e sair da ignorância. Mas a ausência de diversão gera tristeza, e para resolver esse caos do desespero humano, a escolha geralmente é parar de pensar nisso. (Parece, ao menos para mim, que a maior inspiração em Dostoiévski – principalmente nos personagens príncipe Mishkin e Aliócha – é seu contato com o realismo de Pascal, mas não trataremos disto agora.)


A resposta de Pascal segue sua jornada até Cristo que, na minha humilde opinião, é com muito peso a única opção razoável para tomar como "aposta". "Apostar" em Deus e, mais especificamente, no Deus cristão – aqui Pascal segue uma linha de teologia natural que justifica o porquê do Deus cristão e não outro Deus que não cabe tratarmos disto agora, mas talvez em uma futura postagem –, é a única saída que satisfaz a necessidade de objetividade de um sentido para todo esse caos e desespero. Objetividade esta que parece ausente nos argumentos de Viktor Frankl, o famoso psiquiatra da Logoterapia, e Jordan Peterson, o famoso psicólogo contemporâneo.


Não parece muito vantajoso ou diferente de uma ilusão (tal como a "ilusão de indulto" de Viktor Frankl) o mero sentido subjetivo. Imagine, por exemplo, que alguém sente uma obrigação moral em ser responsável por salvar vidas em um hospital. (Por um momento acreditei que não seria preciso esclarecer que não estou desmerecendo tal juízo moral, mas acidentes acontecem... e é melhor que fique evidente que não tenho esse nível de desprezo por pessoas responsáveis!) O que um médico realmente faz? Pode, acaso, salvar alguém da morte? Ou não seria mais razoável reconhecer que o trabalho da medicina é – de uma forma um tanto reducionista, eu reconheço – "adiar o inevitável"? Aqui alguns idólatras da ciência aparecem de seus buracos para argumentar em favor de uma espécie de busca científica pela imortalidade do homem. Não pretendo refutar nem rejeitar esse tipo de esforço, mas simplesmente expor, caso necessário, o fatídico evento futuro (e ainda embasado em cosmologia contemporânea fresquinha) de um universo caótico e impossibilitador de vida. Mas peço que para que o raciocínio prossiga, continuemos a pensar sobre nossa morte como inevitável, seja agora, seja daqui a alguns milhares ou milhões de anos. O que o propósito e/ou responsabilidade do doutor vai resolver? Por que alguém gostaria de multiplicar em sua memória, a multiplicação de males gratuitos deste mundo? Não é, por acaso, mais razoável reconhecer o terrível (se verdadeiro) engano do sentido subjetivo? 


Não tenho dúvidas de que a responsabilidade social é algo belo e que devemos ter coragem de assumir estas carências. Mas diminuir o sofrimento não é igual a felicidade, senão uma que é passageira, ilusória. A verdadeira percepção da realidade em seu nível mais cru, foi primeiramente contemplada pelo escritor de Eclesiastes (muito provavelmente Salomão.) Ele percebeu de uma forma um tanto tardia, que nada do que se passa "debaixo do Sol" é novo, e que quase nenhuma vantagem se extrai dos esforços que os homens se afadigam. A verdadeira felicidade é participar da divindade. Pois isto é muito mais do que aqui e agora. E mais uma vez Pascal: "a única boa esperança desta vida é a esperança em uma próxima vida." Ou como William Lane Craig escreve: "Se Deus não existe, você não passa de um aborto da natureza jogado em um universo sem sentido para viver uma vida sem propósito."

sábado, 3 de junho de 2023

Os três estágios da vida por Søren Kierkegaard

– O estágio estético: uma vida no nível sensual em busca de prazer e em torno de si mesmo. O paradoxo do nível estético é que no final ele leva a infelicidade, ainda que os prazeres da alma sejam constantemente satisfeitos. Tal nível não pressupõe uma ignorância intelectual ou cultural, mas que tudo se dá por puro egocentrismo. A pessoa egocêntrica cai em desespero por ausência de significado em seu hedonismo.


– O estágio ético: tendo como ponto de partida o estágio anterior e sua insignificância existencial, o desespero agora se torna o salto entre o nível estético e ético. Aqui surgem motivações para a aderência de valores morais e a tentativa de viver neles de forma objetiva. O homem agora é moral, de um ponto de vista teórico; mas a impossibilidade prática de se viver verdadeiramente neste estágio sem qualquer deslize também leva a culpa e mais tarde, causa desespero e infelicidade.


– O estágio religioso: é neste estágio da existência humana que se encontra perdão de pecados e relacionamento com Deus. O salto do estágio ético para o estágio religioso é agora motivado pela crença em um Deus que perdoa iniquidades pois somente um Deus Criador pode nos dizer objetivamente o que é moral e nos perdoar quando somos incapazes de agirmos moralmente. É neste estágio que está a realização verdadeira humana.

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Confiabilidade das funções próprias

O que se segue, é um argumento teísta probabilístico sobre a confiabilidade de nossas funções próprias, retirado de um artigo no livro "Two Dozens (or so) Arguments fo God".

Teísmo aqui é representado por T; evolução não teísta por NTE (non-theistic evolution). A confluência da função própria e confiabilidade é representado por R (reliability). LoL é a Lei da Probabilidade (Law of Likelihood).

Onde,

LoL: Se Pr (E|H1) >> Pr (E|H2), então E favorece H1 sobre H2. Isto é, se a probabilidade da evidência sobre a hipótese 1 for maior muito maior que a probabilidade da evidência sobre a hipótese 2, então a evidência favorece a hipótese 1 sobre a hipótese 2.


1. Pr (R|T) >> verdadeiramente pequena. (Premissa)

2. Pr (R|NTE) = verdadeiramente pequena. (Premissa)

3. Portanto, Pr (R|T) >> Pr (R|NTE). (A partir de 1 & 2)

4. Se Pr (R|T) >> Pr (R|NTE), então R favorece T sobre NTE. (LoL)

5. Portanto, R favorece T sobre NTE. (De 1 até 4)


O argumento pressupõe que nossas faculdades cognitivas são confiáveis, o que é justo pensar, uma vez que não poderíamos falar sobre qualquer coisa se não tomássemos tal procedimento auto reflexivo como verdadeiro. Se nossas faculdades cognitivas são verdadeiras, então a probabilidade de T é muito mais alta do que a probabilidade de NTE, uma vez que em T a probabilidade de R ter sido intencionalmente direcionado à verdade é muito maior do que NTE.

sábado, 1 de agosto de 2020

O argumento da contingência

O argumento da contingência foi proposto pelo grande matemático, físico e filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz, que lançou uma das perguntas mais complexas que eu conheço (Por que existe algo ao invés de nada?), e cuja resposta ele encontrou, por um exercício de raciocínio, que somente Deus (um ser necessário) poderoso poderia criar o Universo (algo contingente). Eis o argumento que li no livro "Two Dozens (or so) Arguments for God", no capítulo "Why is there anything at all?", em sua versão na lógica modal:

Tomemos como axiomas um pouco de lógica modal:

M: □p → p  [se é necessário que p, logo p]
K: □(p → q) → (□p → □q)  [se é necessário que, se p, então q, logo, se é necessário que p, então é necessário que q]
4: □p → □□p  [se é necessário que p, então p é necessariamente necessário]
5: ◊p → □◊p  [se é possível que p, então é necessariamente possível que p]

Vamos usar ‘N’ para abreviar ‘∃x (N(x))’, onde ‘N(x)’ se lê ‘□(∃!(x) & ◊ (∃y (x é a causa de y)))’. Ou seja, N é um ser necessário (Deus) e causa y no mundo atual, e é contingente (Universo e tudo o mais).

1. Assumamos que ◊N.
2. Então: ◊□N. (□(N → □N), pelos axiomas 4 & 5)
3. Agora suponha (a bem do argumento) que ◊~N.
4. Então: □◊~N. (pelo axioma 5)
5. Então: ~◊~◊~N. (substituindo ‘~◊~’ por ‘□’)
6. Então: ~◊~~□~~N. (substituindo ‘~□~’ por ‘◊’)
7. Então: ◊□N. (porque ‘~~X’ é equivalente a ‘X’)
8. Mas (7) contradiz (2).
9. Logo: (3) não é verdadeiro. ((3) → (8))
10. Logo: ~◊~N.
11. Logo: □N. (substituindo ‘□’ por ‘~◊~’)
12. Logo: N. (□X → X, pelo axioma M)
13: Logo: se ◊N, então N.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

A treliça e a videira

Não é muito comum livros de teologia me agradarem. Principalmente por seus procedimentos metodológicos para as interpretações que fazem acerca da Bíblia e a confusão linguística em que habitualmente caem. Para falar a verdade, eu até evito seguir a moda de estabelecer uma meta e ler dezenas de livros por ano pelo simples pensamento de que a maioria dos tais livros poderiam ser muito mais resumidos, ou ficam repetindo coisas que já foram ditas por autoridades teológicas do passado. Penso ser desnecessário ler um livro de centenas de páginas que afirma coisas que já foram anteriormente afirmadas, mas com palavras diferentes; creio, inclusive, que tal modo de escrever acaba poluindo a virtude de apreciar uma boa leitura teológica. Mas não tenho tanto problema com a Teologia em si, mas com teólogos contemporâneos que escrevem em dezenas de livros aquilo que poderiam ter colocado em apenas um.

Mas não se segue, é claro, que creio ser irrelevante todo material teológico produzido em nossos dias. Por acaso, me deparei com um livro que me chamou bastante atenção, seu nome é "a treliça e a videira". A treliça é algo mais ou menos como a estrutura da Igreja, e a própria Igreja (a membresia) é a Videira.

De acordo com os autores – e com as Escrituras, é claro - não há diferença entre ser “um discípulo não envolvido com o discipulado” e “não ser discípulo”, uma vez que “ser discípulo” pressupõe uma participação direta no trabalho da videira. Por isso, é importante "preparar os santos para a obra", como em Efésios 4. Outros pontos são muito notáveis no livro, como não haver justificativa para não congregar e a necessidade de instruir uns aos outros. O compartilhamento do que se aprende é uma função do discípulo, e não algo que cabe apenas à liderança e os pastores da congregação. A manutenção da videira é um trabalho de todos. O melhor exemplo disso aparece quando os tessalônios evangelizavam como se isso fosse um instinto natural, pois eram constantemente questionados sobre a razão de terem mudado de pensamento (reflexo de sua verdadeira conversão). Os autores argumentam que, uma vez que alguém se torna um discípulo (no sentido real e não aparente e teórico da palavra), segue-se necessariamente que estes discípulos falariam acerca de sua fé para outras pessoas. E isso acontece por várias formas, como ler as Escrituras, orar e compartilhar alegrias e tristezas com os irmãos.

O livro tem ótimos trechos, que são bem evidentes, mas nem sempre estão imediatamente em nossos pensamentos, tal como: “O cristão que não tem um coração missionário é uma anomalia.”

Um pouco mais pra frente, há uma simples justificativa para tornar justa a ideia de que devemos incentivar-nos uns aos outros a participar da obra como igreja: é assim que a Bíblia determina que seja feito. A unidade dos discípulos no Evangelho nos torna responsáveis uns pelos outros. E mais adiante, os autores propõem que um treinamento, no padrão bíblico, é um treinamento para agir de acordo com as Escrituras para alcançar objetivos. Paulo desenvolve uma espécie de treinamento em suas cartas do verdadeiro discipulado. O livro apresenta alguns estágios no crescimento do evangelho: evangelização, acompanhamento, crescimento, treinamento. 

Também aborda as diferentes ideias do pastorado e como alguns membros se comportam, tal como um cristão consumidor do tempo dos outros para satisfazer as suas próprias necessidades, pensando que só precisa ser servido, mas não possui nenhuma responsabilidade em relação aos irmãos em Cristo. Ainda há o caso das igrejas que adotaram o método “crescimento da igreja”, também oferecendo um produto para os “consumistas” e que não necessariamente implica em crescimento espiritual e mentalidade de discípulo (isso me lembra do termo do Dallas Willard para “vampiro cristão”, definido como “aqueles que querem apenas um pouco do sangue de Cristo”). Em contrapartida, o pastor treinador direciona para que todos os cristãos possam ser responsáveis pelo compartilhamento das responsabilidades da igreja. O serviço do pastor é fazer discípulos que façam mais discípulos. Há também uma ênfase na teologia de Baxter sobre a evangelização pessoal, do qual eu particularmente desconheço, mas é no mínimo interessante.

“Há mais pessoas do que podemos atender”. Os autores oferecem um cálculo lógico para a multiplicação de discípulos, apresentado em uma tabela onde o pastor faz discípulos capazes de fazerem mais discípulos. É necessário haver cooperadores e ministros que se sentem responsáveis a manter discípulos em constante crescimento espiritual. Mais pra frente, é apresentada a tese evidente de que “igrejas não fazem discípulos; discípulos fazem discípulos” e diversos preceitos para selecionar cooperadores para o reino tal como procurar pessoas que tem a mentalidade de trabalhar em prol do evangelho e compreendem perfeitamente as dificuldades que isso exige. E trabalhar para que essas pessoas sejam treinadas em suas convicções, caráter e piedade.

Até onde podemos ver, é evidente que é mais importante o crescimento do Reino de Deus do que o preenchimento dos bancos de uma igreja; portanto, acontecerá que pessoas com as quais gasta-se tempo treinando, futuramente farão discípulos em algum outro lugar diferente daquele em que foi discipulado. 

A grande comissão do discipulado é fazer discípulos capazes de fazerem mais discípulos. Participar de grupos ou ter igrejas cheias não indica que o foco no discipulado está sendo mantido. Entender o que é ser discípulo deve implicar em ser um discípulo. O alvo de toda estrutura da igreja é fazer discípulos. Discípulos produzem mais discípulos. O treinamento do discipulado consiste em uma atenção sobre as convicções, o caráter e a competência do próximo. Embora os membros de uma congregação possuam diferentes papéis dentro do ministério, a função de todos é ser e fazer discípulos. É preciso entender o que está causando a dificuldade de fazer novos discípulos. É preciso treinar pessoalmente e se preocupar com o futuro da igreja, sendo um modelo a ser seguido.

No final do livro encontra-se um trecho que me chamou muito atenção desde o instante que li pela primeira vez, e ainda mais vejo sua importância nos dias atuais. Os autores fazem uma espécie de experimento mental, imaginando a possibilidade de surgir uma pandemia em algum lugar do mundo, onde o governo limitaria o número de pessoas reunidas num mesmo local para no máximo três pessoas e tal decreto do governo entraria em vigência por no mínimo 18 meses. A questão óbvia é que nenhum pastor seria capaz de pastorear uma igreja com algo em torno de 120 membros. Seria extremamente improvável que as pessoas se sentissem pastoreadas com a rara visita do pastor ou ligação semanal ou quinzenal. Há pessoas que não são pastoreadas mesmo quando não há pandemia. Os autores então chamam a atenção para a necessidade de discípulos fazedores de discípulos. É uma pena que tal livro não recebeu tanta atenção e, a possibilidade de haver uma pandemia, algum crédito.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Onde está o conflito?

"Onde está o conflito?" é um dos grandes livros do filósofo analítico contemporâneo Alvin Plantinga. Neste livro ele trabalha exatamente o que o título sugere: há o conflito entre a religião e a ciência ou há um conflito entre o naturalismo e a ciência? Sua tese geral, já apresentada na introdução diz que há sim um certo conflito entre a religião - mais especificamente as religiões teístas como o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo - e a ciência, mas Plantinga defende que é apenas um conflito superficial; contudo, existe uma profunda concordância entre a ciência e a religião; e ainda, que há pouca concordância mas um profundo conflito entre o naturalismo - tese de que não existe uma entidade divina criadora do universo e que sustenta-o - e a ciência moderna.

É evidente que de nenhuma forma o cristianismo detesta a "ciência". Se assim fosse, os 65% dos ganhadores de prêmios nobel que são cristãos (embora seja verdade que nem todos prêmios desses 65% tenham sido científicos) estariam indo contra essa "lei cristã" de se opor à ciência. Isso para não citar Isaac Newton, Leibniz da Silva e a turma toda do passado que forneceu os pilares da ciência moderna e julgavam na crença da proposição "Deus existe" como verdade. Há quem diga que os medievais (cuja época é ridiculamente chamada Idade das Trevas) eram contra o conhecimento científico e acreditavam que a Terra era plana, e outras baboseiras inseridas no pensamento da época. A questão é que isso é apenas um pequeno grupo desinformado que vive nas redes sociais que tentam se passar por intelectuais. 

Mas será que algum filósofo pode dizer algo relevante sobre mecânica quântica, relatividade geral, psicologia evolucionista, estrutura molecular, complexidade irredutível, e outras tantas teorias científicas que são debatidas nas melhores universidades do mundo? Talvez o filósofo esteja limitado a entender do que se tratam esses assuntos ao invés de partir para o laboratório de realizar seus próprios experimentos, mas isso de nenhuma forma significa que o filósofo não está justificado em apresentar falhas em conclusões da ciência; ou até mesmo qualificar o que realmente é ciência e aquelas meras especulações ou conclusões precoces acerca de alguns resultados da ciência. Neste livro vemos que muitas especulações da ciência são, na verdade, metafísica (muitas vezes de péssima qualidade) e não ciência. Plantinga analisa as conclusões a partir de alguns experimentos científicos, e algumas outras inferências, e expõe com muita claridade a fraqueza de algumas das principais objeções à crença teísta.

Plantinga começa analisando o que seriam as "objeções mais fortes à crença teísta", ou pelo menos as mais famosas. E a mais famosa é a teoria da evolução - a tese de que todos organismos vivos como conhecemos hoje surgiram de um processo adaptativo lento, juntamente com mutações genéticas que conectam todas as espécies. Mas ele também demonstra que as "fortes" objeções dos chamados "cavaleiros do ateísmo", na maioria das vezes, nada mais é do que um argumentum ad derisionem (um nome bonito para um "argumento" via ridicularização). Parece que o que é mais convincente nos argumentos do ateísmo de Dawkins e Dennett, por exemplo, é essa tentativa de tentar ridicularizar a crença no lugar de "buscar a verdade seriamente" (como o próprio Dennett sugere), ignorando mais algumas das grandes respostas proporcionadas por alguns dos milhares de Cristãos que já existiram. Mas é evidente que ridicularizar uma crença não torna ela falsa, uma vez que a autoridade na filosofia é a demonstração de uma tesa, ainda que na maioria dos casos esta tese serve para descartar alguma outra teoria. É também falso que uma teoria é verdadeira porque ela é bastante atacada e ridicularizada. O critério de verdade é uma asserção metafísica e depende da validade da mesma. É de fato lamentável que mentes com capacidade de argumentar com bastante seriedade científica deixem se levar por questões emocionais acerca de suas crenças - ou talvez não consigam alcançar essa seriedade, mas OK.

No que diz respeito ao aspecto científico de seu conhecimento, Richard Dawkins talvez seja um grande biólogo, mas parece fazer muita confusão com as palavras em seus saltos metafísicos que utiliza para atacar as religiões teístas. Suas inferências são baseadas na confusão entre possibilidade e probabilidade, argumentando que, por ser possível que o processo evolutivo ocorra sem um Designer segue-se que é bastante provável que tal processo tenha acontecido. Ser possível que algo aconteça não segue-se que é provável que o mesmo aconteça. Plantinga identifica, assim como qualquer outra pessoa poderia identificar, que a tese de Dawkins de que "os dados da evolução indicam um universo sem design" não é propriamente um "dado" da teoria da evolução, mas uma interpretação a partir das obervações da ciência moderna. A tese de Dawkins é de que há indícios especulativos de que as transições ocorreram, dado os registros fósseis, mas Plantinga demonstra que nada nestas suposições elimina a possibilidade de que essa conexão entre uma espécie e outra não fosse dirigida. Essa hipótese, inclusive, não é nem mesmo descartada pelo assim auto-denominado "bulldog de Darwin", Thomas Huxley. 

A questão de a evolução constituir um derrotador para a crença no design cósmico parece estar localizada em que, se é possível e perfeitamente demonstrável que a evolução ocorre em baixa escala, segue-se que é provável que a macro evolução também ocorreria. Mas isso é claramente um salto metafísico muito grande, um non sequitur. A complexidade organizada da evolução parece apontar que a probabilidade de processos cegos terem produzido por si só organismos complexos parece improvável, dado o conjunto evolução & naturalismo (E&N). O que Plantinga quis demonstrar, é que o conjunto (E&N) são auto-refutáveis. 


O argumento central do conflito entre o naturalismo e a evolução se baseia no fato de que não há intencionalidade na evolução para produzir seres conhecedores de verdades, uma vez que a evolução somente proporciona aos seres a fome, fuga, reprodução e sobrevivência. A luta pela sobrevivência do mais apto parece não envolver crenças verdadeiras do universo. Plantinga então sugere que a probabilidade de que uma crença qualquer seja falsa dado que (E&N) se segue, é muito alta. Sendo assim, a própria crença de que (E&N) está em risco, uma vez que não é possível refletir racionalmente se a probabilidade de estarmos refletindo irracionalmente é alta. Alvin Plantinga cita sua grande influência para pensar deste modo, Thomas Reid: "Se a honestidade de um homem fosse colocada em questão, seria ridículo se referir a própria palavra do homem, sendo ele honesto ou não. O mesmo absurdo existe em tentar provar, por qualquer tipo de raciocínio, provável ou demonstrativo, que nossa razão não é falaciosa, visto que o ponto em questão é exatamente se a nossa razão pode ser confiada." 

O que se segue parece óbvio. A ideia é que, se fomos projetados por um Designer, nossas faculdades cognitivas se desenvolveram com a intenção de produzir em nós crenças verdadeiras, como crença no próprio Deus e proposições contingentes, como "a teoria da evolução é verdadeira", sendo que essa "intenção" foi guiada pelo Designer. Por outro lado, se não há qualquer Designer, não há nem mesmo como verificar racionalmente se estamos corretos em crer que não há um Designer, uma vez que não há intenção na evolução distinta daquelas necessárias para suprir as necessidades primitivas dos indivíduos.

Não é uma tese da ciência que o processo evolutivo não foi guiado. Na verdade, a probabilidade de indivíduos terem sua conexão estabelecida por um designer é perfeitamente racional, como Plantinga explica: "De acordo com a crença cristã, Deus nos criou de tal maneira que podemos conhecer e estar em comunhão com ele. Ele poderia ter feito isso de várias maneiras; por exemplo, ele poderia ter feito com que nossas faculdades cognitivas evoluíssem de maneira natural. seleção e evoluir de tal maneira que é natural formarmos crenças sobre o sobrenatural em geral e o próprio Deus em particular."

Uma objeção também bastante conhecida, é a ideia de que a mecânica quântica e o desenvolvimento da física moderna não deixa espaço para Deus dentro do pensamento contemporâneo pois, de acordo com boa parte dos cientistas, tudo pode ser explicado por alguma equação da física. O engraçado é que muitos desses cientistas simplesmente ignoram a contradição aparente entre a mecânica clássica e a física quântica. Uma das tentativas de evitar essa solução é a chamada "teoria das cordas" (ou "teoria M", ou "teoria das super cordas"), cujo número de dimensões do nosso universo necessário para a teoria funcionar é exatamente 11, ou algo assim. A teoria das cordas propõe que a estrutura mais fundamental da matéria são essas minúsculas cordas que, em suas vibrações semelhantes ao de um instrumento de corda, determinam e explicam o comportamento da matéria. Para esses "físicos" teóricos de hoje em dia, a teoria fornece o entendimento que eventos absurdos como um copo cair, quebrar, e o mesmo copo simultaneamente não quebrar mas sair andando é tanto possível quanto provável que aconteça, uma vez que a realidade é composta por 11 dimensões. Essa e muitas outras bizarrices são comumente admitidas pelos cientistas contemporâneos. Para outra turminha de "pensadores" engraçadinhos, não existem "leis da física". Mas parece que ambos grupos de "intelectuais" ainda creem ser absurda a ideia de um homem ressurgir dentre os mortos. O fato é que Plantinga explica que essa falta de critério no pensamento atual é bom motivo para não levar muito a sério essas teorias que tentam explicar a realidade.

Pra mim, não é claro o que se quer dizer com um evento sobrenatural, uma vez que não conhecemos todas as "leis naturais". Dentro da perspectiva naturalista, a questão é que se Deus age e muda uma "lei natural", deveríamos assumir a crença de que de fato não há "leis naturais", uma vez que se deve presumir que essa lei é capaz de fazer predições corretas; se as predições (caso um evento predito por uma e mesma causa anteriormente verificada causando outro evento idêntico ao evento anterior) podem ser mudadas, não existe "lei natural". Todos sabem que a mecânica quântica (que é contraditória com a relatividade geral) não consegue fazer previsões exatas na escala de Planck e, para tentar resolver isso, foi inventado outra teoria metafísica de péssima qualidade (da qual se dá o nome de "teoria das cordas"). O fato é que se pressupõe que vivemos em um universo de fecho causal, o que não faz parte da ciência contemporânea, mas de especulações infundadas. Aparentemente, Deus (um ser dotado de liberdade) precisaria de uma boa razão para mudar a ordem de um universo do qual Ele mesmo mantém (assim o é de acordo com a crença teísta); talvez atender a um apelo de algum outro ser dotado de alguma liberdade significativa, caso veja algum propósito nisso e evitando, é claro, multiplicar milagres sem necessidade (Navalha de Leibniz). Isso incluiria a crença de que Deus não intervém em um mundo onde Ele mesmo mantém uma ordem mas não exclui a possibilidade de "milagres" terem existido ou existirem atualmente.


Não estamos em poder de abandonar a nossa crença em Deus se somos produto de um processo evolutivo naturalista que produz coisas aleatórias, mas que conspiram para termos crenças verdadeiras sobre o universo e indica que de fato temos; isso por que nossa crença não provém somente de um exercício de raciocínio verificável pelo método científico, embora muitas decisões acerca da existência de um Deus seja claramente dedutível, mas de um testemunho interno que afirma que somos criaturas divinas. Mas nem por isso a crença em Deus deva ser considerada intelectualmente inferior à descrença. A questão é que, se fomos projetados por Deus ou pela evolução ou por ambos, para crer em um criador e nosso mecanismo cognitivo está funcionando apropriadamente para isso, deveríamos supor que estamos epistemologicamente autorizados a crer em Deus. Penso que de fato estamos.