sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

A finalidade da Beleza

Quando pensamos sobre a natureza daquilo que é Belo, deixamos de lado as outras coisas que julgamos não ser. Se por acaso dizemos que em tal coisa não há Beleza alguma, estamos na verdade dizendo que em outro lugar há. Se tentamos aniquilar o conceito de Belo negando critérios objetivos como fundamentação daquilo que é Belo, de nenhuma forma se está sendo refutado que há coisas Belas, ainda que o método científico ou alguma teoria verificacionista não pode provar a validade da Beleza. A questão é que tomarei por evidente aqui a existência de algo da qual denominamos Beleza para, então, meditar um pouco sobre sua utilidade.

Um grande problema que parece surgir quando refletimos sobre a Beleza é que ela parece prima facie inútil. Parece na verdade que ela não tem uma utilidade pública ou particular, como abastecer reservatórios de água ou ainda realizar uma cirurgia de ponte de safena. E realmente parece ser o caso que a Beleza não serve pra essas coisas, a menos que alguém creia que a Beleza por si só pode religar artérias do coração de alguém. Bem, eu não creio nisso também.

Mas eu não estou argumentando que a Beleza serve pra tudo (e também desconheço se há quem assim argumente). Ninguém falou que a finalidade da Beleza é resolver uma Conjectura de Goldbach ou reduzir os impostos. Isso seria muito bom inclusive, mas não creio que devemos desprezar uma música clássica por que ela não resolve os problemas da corrupção. Creio que utilizar exemplos particulares contingentes para fazer uma generalização é uma péssima forma de utilizar o raciocínio. 

Muito bem, vamos lá. Qual é então a finalidade da Beleza? Já sabemos para o que ela não serve, e a lista pode ser muito grande! Já tendo uma noção do que o Belo significa para nós, precisamos agora apontar algumas coisas que exemplificam a necessidade de coisas belas na vida do ser humano. Vou tentar ilustrar um ou outro exemplo da finalidade da Beleza. 

Considere por exemplo, uma pessoa que fará a cirurgia de ponte de safena. Por que exatamente ela quer continuar vivendo? Ora, se o Belo também é manifestação do Bem, como colocou Platão, então essa pessoa tem boas razões para preferir a vida do que se entregar à morte. Essa pessoa quer melhorar seu estado de saúde para contemplar o belo durante um tempo mais extenso. Ela quer se relacionar ainda mais com as pessoas que ela gosta e estender seus instantes de relacionamento com essas pessoas tanto quanto aquilo que é naturalmente belo. Talvez ela queira visitar lugares agradáveis aos seus olhos tal como um parque onde há pássaros cantando, ou ainda uma obra de arte.

Não estou argumentando que precisamos necessariamente estar sob pena de morte para encontrar uma finalidade na Beleza. A Beleza como expressão sensível também nos alegra diariamente, com toda suas variadas formas de expressões que, sendo o caso de estarmos tristes, podemos encontrar algum consolo por estas infinitas coisas Belas que podemos presenciar. A Beleza satisfaz não somente nossos olhos quando estes contemplam a ordenação da natureza ou leem o Soneto 116 de William Shakespeare; nem tão somente os ouvidos quando apreciam uma boa música como Comptine d'un autre été. Mas tanto os olhos quanto os ouvidos direcionam o que é belo à alma, que contempla e se alegra com tantos sentimentos que podem ser expressos pelas infinitas, mas não exaustivas formas de Beleza dispostas em nosso mundo. A Beleza educa a alma.

Um lugar que me chama bastante atenção sobre a significância da Beleza é a Bíblia Cristã. Há alguns trechos específicos que podem clarear um pouco aquilo que eu entendo de significante para a utilidade da Beleza; mas também a Bíblia expressa sua própria razão de argumentar em favor da existência do que é belo. "Os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos de ouvir", é o que diz Eclesiastes. A Beleza é uma dessas coisas que dão sentido à vida e tal é a razão que nossos olhos não se cansam de ver, nem nossos ouvidos se cansam de ouvir. Mas sempre procurando aquilo que é belo e agradável de se contemplar e ouvir, evitando-se as coisas que são irritantes aos nossos olhos e ouvidos.

Quem é que não se alegra ao olhar o céu estrelado durante a noite? Bem, há muitas pessoas que nem mesmo olham para o céu estrelado, talvez por suas cidades serem poluídas o suficiente para não conseguirem enxergar muita coisa, ou ainda por realmente não se interessarem por tal tipo de coisa. O fato de poucas pessoas se interessarem por um céu estrelado pode estar relacionado à péssima influência das mídias sociais, uma vez que não se pode tirar "selfies" com a Lua ou fazer outro tipo dessas coisas que estão na moda. O fato é que eu realmente duvido que as pessoas que ignoram a Beleza conseguem possuir verdadeira felicidade, se é que o Belo está relacionado com o Bem e com uma verdadeira contemplação das coisas que são perceptíveis aos nossos sentidos e agradáveis à nossa alma.

É também lamentável o fato de que muitas de nossas cidades são horrorosas. Tanto prédios e casas são feias e desorganizadas quanto os fios de energia elétrica, outdoors e outras coisas das ruas deixam uma péssima vontade de caminhar por esses lugares. Dá uma tristeza ainda maior quando essas disposições arquitetônicas são somadas ao péssimo gosto musical de algumas outras pessoas. Bem, mas isso tudo não significa que não há qualquer coisa bela disposta para nossos olhos e ouvidos. Acredito que basta se interessar um pouco mais sobre o que a Beleza pode proporcionar para a alma, e isso não é algo que se pode encontrar em qualquer texto (eu julgo que esse texto aqui ainda não está perto o suficiente de ser belo) ou simples fotos do Google. Acredito que valha mais a pena seus olhos e ouvidos buscarem coisas belas além do computador ou celular, pode ser mesmo o caso que a Beleza sirva para alguma coisa.

"Uma é a glória do sol, outra, a glória da lua, e outra, a das estrelas; porque até entre estrela e estrela há diferenças de esplendor" (1 Co 15:41). 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Beleza x Inteligência

Refletindo insistentemente sobre esses conceitos há algum tempo, venho tentando, com meu próprio raciocínio, formular noções que satisfaçam um pouco daquilo que eu entendo que esses conceitos significam pra mim e tentar associar um com o outro. Portanto, quero fugir um pouco das definições que tentam associar o Belo com "aquilo que agrada a todos" ou que se baseiam na sua utilidade.

Acredito que a Beleza de algo está diretamente relacionado com algum padrão identificável em que dizemos: "Isto existe aqui e em outro lugar, mas não existe ali." Esse padrão identificável é somado à outra qualidade da qual nosso intelecto separa das coisas desorganizadas e imprevisíveis. Na soma destes padrões em relação àquilo que é fora de padrão, julgamos algo como ou sendo Belo ou então feio. Não estou dizendo assim que a Beleza é eterna no sentido que sempre existiu e não há uma forma nova contemplável, mas que nosso intelecto julga (isto é, qualifica) com maior facilidade aquilo do qual está acostumado a perceber, dado a sua simplicidade na qual tal facilidade ocorre.

Me parece que o padrão da Beleza pode ser identificado como uma razão entre a combinação de cores, traços, formas geométricas, etc. Talvez não seja somente estas coisas ou somente uma delas, mas uma combinação simples e capaz de ornamentar um padrão entre um e outro objeto. Por exemplo, um flor é mais bela que uma pedra, pois esta não possui um padrão na qual podemos identificar traços e cores organizadas, mas aquela é formada por um caule, folhas, pétalas, cores, etc. Enquanto a flor parece um fim em si mesma com toda sua composição colorida e sua forma geométrica que respeita o padrão de ser uma flor, parece que a pedra é um produto de um acidente da natureza da qual ela mesma poderia ter sido diferente.

Mas não apenas fatos concretos ou objetos são Belos. Eventos também o são. O conjunto do florescer, do pássaro cantar, do vento soprar, do meteorito atravessar o céu, etc., nos encanta mesmo que não seja um ponto fixo no espaço-tempo como qualquer outro objeto contemplável. 

Creio ser possível dizer que a Inteligência é quando conseguimos gerenciar diversas áreas de nossas vidas sem com isso perder a cabeça, como que um dom para organizar eventos e se comportar com simplicidade diante deles, não julgando-se superior aos outros ou utilizando do conhecimento que o intelecto possui para se separar de outras pessoas. Não vejo por inteligente as pessoas que desprezam outras por possuírem um grau menor de conhecimento. Vejo como sendo como um simples possuidor de uma grande quantia de conhecimento, tal como um computador qualquer.

Me parece que o intelecto não foi feito para destinar-se apenas para uma única coisa e fazer dela a única busca real. A Inteligência não é a simples capacidade de gravar informações e poder repetir elas a qualquer momento. Computadores fazem isso. E por não acreditar em inteligência artificial, eu também não creio que a Inteligência deva ser reduzida a um procedimento de decorar infinitas coisas e entender elas.

Poderia ser dito que a Inteligência é a capacidade do intelecto de resolver questões difíceis da vida, ou equações da ciência ou matemática, ou ainda da lógica, etc. Mas eu acredito que a Inteligência é a capacidade do intelecto de ser o mais simples possível diante de tantas coisas complexas e Belas. É viver com uma simplicidade não reducionista que torna perfeitamente inteligível aquilo que está complexo demais para o intelecto saber. Creio que este procedimento intelectual é também uma forma de como o intelecto corresponde para aquilo que é destinado. Ora, se o intelecto é destinado a se inclinar para um conjunto de coisas que ele precisa atender, a Inteligência deste intelecto é elevado se ele consegue atender todo o conjunto de coisas e negligencia pouco ou quase nada do qual é a sua real função.

Nesse sentido, me parece que a Inteligência também é Bela, dado que é um tanto previsível e orquestra um padrão próprio de administrar o melhor possível a combinação de qualidades que o intelecto possui. Esse padrão não é motivo nenhum de tédio por sua previsibilidade e simplicidade, mas uma garantia de contemplação duradoura que provavelmente perdurará tempo suficiente para nossa vontade criar boa expectação do futuro.

Talvez alguém diga que todos objetos são extremamente complexos em sua essência. De fato parece ser o caso. Se analisássemos a estrutura molecular de organismos, o que veremos é uma complexidade irredutível. Mas nem por isso devemos argumentar que eles não são simples no sentido de que há um determinado padrão entre eles.

Ora, até onde posso ver, na Beleza há esse conjunto de padrões que, bem organizados, deixam a coisa Bela. Também na Inteligência há esse padrão de comportamento um tanto previsível. Tal é a razão que pessoas menos dotadas de intelecto parecem ser imprevisíveis e instáveis, como se não soubéssemos se ela vai salvar o mundo ou destruí-lo. Parece que esse tipo de pessoa abençoa num dia e amaldiçoa no outro. Tal é a razão pela qual eu analiso a Beleza de uma pessoa também por sua Inteligência.

Posso estar distante ainda do verdadeiro significado dessas palavras, é claro. Mas eu apenas tive esse insight sobre a possibilidade de conectar estas duas coisas entre si, que penso ser bem justificável essa conexão. Pode ser o caso que no futuro eu altere uma ou outra coisa, seja o caso de eu pensar diferente em algum sentido ou receber algum comentário que me faça adicionar algum ponto relevante a ser observado.