Rogel de Oliveira é o epistemólogo mais minucioso que eu conheço, e o seu livro
"Metaconhecimento e Ceticismo de Segunda Ordem" talvez seja a melhor
prova disso. Com muita clareza conceitual (que é marca da filosofia analítica),
Rogel analisa as condições de possibilidades de metaconhecimento, isto é, se há
alguma possibilidade de alguém "saber que sabe" e como isso poderia
acontecer.
O autor começa analisando algumas das principais discussões dos últimos
50 ou 60 anos da Epistemologia, e trabalha nos casos Gettier, que contrapõem a
análise clássica do conhecimento que Platão destaca no diálogo Teeteto.
Conhecimento seria como Roderick Chisholm melhor colocou uma "crença
verdadeira justificada". Edmund Gettier explicou (em um artigo de duas
páginas!) que há casos onde há "crença verdadeira justificada" que
não constituem casos de conhecimento. Para fugir desse problema, Rogel adota a
solução de Klein sobre a teoria de que a justificativa para a crença não ser
derrotada (defeated), e considera como satisfatória essa solução.
Muitos autores parecem inferir que o conhecimento de algo implica
necessariamente o metaconhecimento de tal saber. Mas é evidente que não vivemos
em um mundo de oniscientes lógicos, onde todos são epistemólogos e possuem
capacidade de propor justificativas bem elaboradas sobre tudo o que conhecem
(se é que de fato conhecem o que creem conhecer). Contudo, o metaconhecimento
precisa ser devidamente analisado e resistir a contraexemplos (talvez como os
contraexemplos tipo Gettier) para considerar-se razoável e satisfatória a ideia
de que alguém "sabe que sabe". O problema que o autor nos demonstra
neste livro, é que em qualquer análise de metaconhecimento apresentada até
então, não há algo que deixa evidente que o critério para "saber que se
sabe" não é falacioso. Muito pelo contrário, Rogel expõe que todas as
tentativas de aceitar as condições apresentadas claramente pressupõem o que
querem provar e caem em uma circularidade epistêmica falaciosa. O critério para
"saber que sabe" parece ser fundamental para analisar a possibilidade
do metaconhecimento.
Tendo o cenário do conhecimento sobre proposições contingentes do mundo
sido estabelecido, Rogel parte então para o problema do metaconhecimento
analisando o que os autores modernos apresentaram como o cenário para
metaconhecimento. Uma definição de metaconheimento fica como sendo algo mais ou
menos assim:
Metaconhecimento (df) =
(i’) S sabe P;
(ii’) S crê que S sabe P;
(iii’) S está justificado em crer que S sabe P; e
(iv’) A justificação de S para crer que S sabe P não é derrotada ou
defeituosa.
A
condição de metaconhecimento é então apresentada em algumas teses, tais como JJ
e JK (meta justification & justified on knowing) para gerar KK (know that
knows), e suas tantas variações:
(JJ) Se S está justificado em crer que P, então S está justificado em
crer que S está justificado em crer que P [Jsp → JsJsp].
(JJ1) Se P é evidente (para S), e se S considera se P é evidente, então
é evidente (para S) que P é evidente [Esp & CsEsp → EsEsp].
(JK1) Se P é evidente para S, e se S considera a proposição que S sabe
P, então é evidente para S que ele sabe P [Esp & CsKsp → EsKsp].
(JK2) Se S está justificado em crer que P, e S crê que S sabe P, então S
está justificado em crer que S sabe P [Jsp & BsKsp → JsKsp].
(JK3) Se P é evidente para S e se S crê que P, então é evidente para S
que ele sabe P [Esp & Bsp → EsKsp].
(KK1’) CsKsp & Ksp → KsKsp.
(KK2’) Ksp & BsKsp → KsKsp.
Contudo, como Rogel muito bem analisa, nenhuma das teses é satisfatória,
pois são falaciosas em algum sentido, principalmente por pressuporem o que
querem provar (petitio principii). A pressuposição cometida é inferir
que a partir da possibilidade de conhecimento de proposições contingentes se
pode também obter metaconhecimento. Isso fica claro na tese da identidade das
evidências de 1ª e 2ª ordens:
"A evidência que produz um estado normativo-epistêmico de primeira
ordem também produz o estado normativo de segunda ordem que tem o primeiro
estado como seu “objetivo”. Em particular, a evidência que produz justificação
de primeira ordem é a mesma que também produz justificação de segunda ordem”.
Outra falácia sobre a possibilidade de metaconhecimento é novamente
inferir que a partir do conhecimento sobre proposições contingentes sobre o
mundo, é possível conhecer que se está conhecendo, tal como apresentado no
"Argumento da Avaliação Epistemológica (AAE)":
(1) “Todas as condições necessárias para o conhecimento (de primeira
ordem) de P foram satisfeitas no meu caso”,
(portanto)
(C) “Eu sei P”.
Parece claro o "salto" que há entre (1) e (C).
O problema das teses de metaconhecimento até então apresentadas é
pressupor que o estado mental que analisa o "saber que sabe", e que
está analisando a si mesmo, pode gerar alguma evidência absoluta para o
metaconhecimento. O "fecho epistêmico" (epistemic closure) não
garante que saber de uma proposição qualquer implica também saber que se sabe
essa proposição.
Logo no fim, Rogel também rejeita as "soluções" chamadas como
o "argumento do histórico" (de que um conjunto de crenças sobre
metajustificação satisfaz o critério para metaconhecimento) e o "bootstrapping"
(apelar para a própria justificação internista para justificar a mesma), pois
estes também caem em circularidades. A condição de não derrotabilidade das
crenças que satisfaz o critério para conhecimento não satisfaz o critério para
metaconhecimento. Logo, não faz sentido apelar a própria razão para saber se
esta é ou não falaciosa. A solução padrão ao problema do critério cai em
uma circularidade epistêmica, assumindo como verdadeira em uma das premissas a
própria conclusão que se quer provar.
O problema principal é que S não está justificado em crer que não há
derrotadores para sua crença que sabe p sem cair em uma circularidade
epistêmica. Rogel então rejeita qualquer tese de metaconhecimento
"extrafácil" que cai em falácias e conclui que é mais racional
suspender o juízo sobre "saber que sabe" e adotar um ceticismo
pirrônico de segunda ordem. Sua conclusão, é claro, não deve ser confundida
"não há metaconhecimento", mas de que parece ser impossível alguém
estabelecer um critério confiável para "saber que se sabe".
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