sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Metaconhecimento?

Rogel de Oliveira é o epistemólogo mais minucioso que eu conheço, e o seu livro "Metaconhecimento e Ceticismo de Segunda Ordem" talvez seja a melhor prova disso. Com muita clareza conceitual (que é marca da filosofia analítica), Rogel analisa as condições de possibilidades de metaconhecimento, isto é, se há alguma possibilidade de alguém "saber que sabe" e como isso poderia acontecer.

O autor começa analisando algumas das principais discussões dos últimos 50 ou 60 anos da Epistemologia, e trabalha nos casos Gettier, que contrapõem a análise clássica do conhecimento que Platão destaca no diálogo Teeteto. Conhecimento seria como Roderick Chisholm melhor colocou uma "crença verdadeira justificada". Edmund Gettier explicou (em um artigo de duas páginas!) que há casos onde há "crença verdadeira justificada" que não constituem casos de conhecimento. Para fugir desse problema, Rogel adota a solução de Klein sobre a teoria de que a justificativa para a crença não ser derrotada (defeated), e considera como satisfatória essa solução.

Muitos autores parecem inferir que o conhecimento de algo implica necessariamente o metaconhecimento de tal saber. Mas é evidente que não vivemos em um mundo de oniscientes lógicos, onde todos são epistemólogos e possuem capacidade de propor justificativas bem elaboradas sobre tudo o que conhecem (se é que de fato conhecem o que creem conhecer). Contudo, o metaconhecimento precisa ser devidamente analisado e resistir a contraexemplos (talvez como os contraexemplos tipo Gettier) para considerar-se razoável e satisfatória a ideia de que alguém "sabe que sabe". O problema que o autor nos demonstra neste livro, é que em qualquer análise de metaconhecimento apresentada até então, não há algo que deixa evidente que o critério para "saber que se sabe" não é falacioso. Muito pelo contrário, Rogel expõe que todas as tentativas de aceitar as condições apresentadas claramente pressupõem o que querem provar e caem em uma circularidade epistêmica falaciosa. O critério para "saber que sabe" parece ser fundamental para analisar a possibilidade do metaconhecimento.

Tendo o cenário do conhecimento sobre proposições contingentes do mundo sido estabelecido, Rogel parte então para o problema do metaconhecimento analisando o que os autores modernos apresentaram como o cenário para metaconhecimento. Uma definição de metaconheimento fica como sendo algo mais ou menos assim:

Metaconhecimento (df) =
(i’) S sabe P;
(ii’) S crê que S sabe P;
(iii’) S está justificado em crer que S sabe P; e
(iv’) A justificação de S para crer que S sabe P não é derrotada ou defeituosa.

A condição de metaconhecimento é então apresentada em algumas teses, tais como JJ e JK (meta justification & justified on knowing) para gerar KK (know that knows), e suas tantas variações:

(JJ) Se S está justificado em crer que P, então S está justificado em crer que S está justificado em crer que P [Jsp → JsJsp].
(JJ1) Se P é evidente (para S), e se S considera se P é evidente, então é evidente (para S) que P é evidente [Esp & CsEsp → EsEsp].
(JK1) Se P é evidente para S, e se S considera a proposição que S sabe P, então é evidente para S que ele sabe P [Esp & CsKsp → EsKsp].
(JK2) Se S está justificado em crer que P, e S crê que S sabe P, então S está justificado em crer que S sabe P [Jsp & BsKsp → JsKsp].
(JK3) Se P é evidente para S e se S crê que P, então é evidente para S que ele sabe P [Esp & Bsp → EsKsp].

(KK1’) CsKsp & Ksp → KsKsp.
(KK2’) Ksp & BsKsp → KsKsp.

Contudo, como Rogel muito bem analisa, nenhuma das teses é satisfatória, pois são falaciosas em algum sentido, principalmente por pressuporem o que querem provar (petitio principii). A pressuposição cometida é inferir que a partir da possibilidade de conhecimento de proposições contingentes se pode também obter metaconhecimento. Isso fica claro na tese da identidade das evidências de 1ª e 2ª ordens: 
"A evidência que produz um estado normativo-epistêmico de primeira ordem também produz o estado normativo de segunda ordem que tem o primeiro estado como seu “objetivo”. Em particular, a evidência que produz justificação de primeira ordem é a mesma que também produz justificação de segunda ordem”.

Outra falácia sobre a possibilidade de metaconhecimento é novamente inferir que a partir do conhecimento sobre proposições contingentes sobre o mundo, é possível conhecer que se está conhecendo, tal como apresentado no "Argumento da Avaliação Epistemológica (AAE)":

(1) “Todas as condições necessárias para o conhecimento (de primeira ordem) de P foram satisfeitas no meu caso”,

(portanto)

(C) “Eu sei P”.

Parece claro o "salto" que há entre (1) e (C).

O problema das teses de metaconhecimento até então apresentadas é pressupor que o estado mental que analisa o "saber que sabe", e que está analisando a si mesmo, pode gerar alguma evidência absoluta para o metaconhecimento. O "fecho epistêmico" (epistemic closure) não garante que saber de uma proposição qualquer implica também saber que se sabe essa proposição. 

Logo no fim, Rogel também rejeita as "soluções" chamadas como o "argumento do histórico" (de que um conjunto de crenças sobre metajustificação satisfaz o critério para metaconhecimento) e o "bootstrapping" (apelar para a própria justificação internista para justificar a mesma), pois estes também caem em circularidades. A condição de não derrotabilidade das crenças que satisfaz o critério para conhecimento não satisfaz o critério para metaconhecimento. Logo, não faz sentido apelar a própria razão para saber se esta é ou não falaciosa. A solução padrão ao problema do critério cai em uma circularidade epistêmica, assumindo como verdadeira em uma das premissas a própria conclusão que se quer provar.

O problema principal é que S não está justificado em crer que não há derrotadores para sua crença que sabe p sem cair em uma circularidade epistêmica. Rogel então rejeita qualquer tese de metaconhecimento "extrafácil" que cai em falácias e conclui que é mais racional suspender o juízo sobre "saber que sabe" e adotar um ceticismo pirrônico de segunda ordem. Sua conclusão, é claro, não deve ser confundida "não há metaconhecimento", mas de que parece ser impossível alguém estabelecer um critério confiável para "saber que se sabe".

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