Muito já foi dito que chorar tem
algum valor, seja para reconhecer externamente as dificuldades e tristezas da
vida ou para demonstrar, ainda que involuntariamente, a nossa insatisfação ao reconhecermos
que o mundo não é exatamente como queremos que ele seja. Aliás, ainda bem que o
mundo não é como queremos e existem muitas razões para pensar nesse problema.
Na verdade é logicamente impossível que o mundo seja "como queremos que
ele o seja", dado as diferenças de crenças em que mentalmente operamos.
Crenças contraditórias não subsistem na realidade. É, portanto, impossível que
seja realizável um mundo de acordo com a vontade de mais de uma pessoa.
Mas não quero falar sobre o simples
ato de chorar. Pois sempre houve alguns melindrosos que não aguentam qualquer
dificuldade que já desandam a chorar infinitamente sem poder aguentar o mínimo
possível de dificuldade. O choro deles é como uma daquelas pessoas ali acima
que lutam proverbialmente (e só) para a necessidade de o mundo real ser do modo
que eles querem, não conhecendo ou se conformando com o fato aparentemente
evidente de que é impossível criarmos um mundo de acordo com nossa própria
vontade. Quero falar sobre o benefício do ato de chorar e citar algumas fontes
do passado que também reconheceram a importância das lágrimas. Eis adiante alguns comentários.
Começarei por uma fonte antiga e
que se encontra no livro do Eclesiastes, capítulo 7 e versículo 3, que diz:
"Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz
melhor o coração." É óbvio que o escritor do livro não é masoquista ou é
bipolar por dizer que chorar é melhor do que rir, ou ainda que rir é algo ruim
e que o riso deveria ser extinto da face da Terra. Acredito que o que ele está
querendo argumentar é sobre a natureza e o poder de reflexão que a lágrima pode
trazer em relação ao riso. Raramente estamos em condições de refletir sobre a
vida e nossas fraquezas enquanto estamos rindo; do contrário, a mágoa acaba por
produzir um estado de reflexão no coração do sensato que é melhor do que o
riso.
Outra passagem que achei
interessante sobre o ato de chorar é descrita no livro do psiquiatra
sobrevivente do Holocausto e criador da Logoterapia, Viktor Frankl. Ele
descreve um caso onde outro prisioneiro relata que "curou os edemas da
fome" ao chorar e lamentar-se por tudo aquilo que estava acontecendo. Nesse
caso também o realismo (que é diferente de um pessimismo) diante da situação
gera um efeito positivo tanto no estado psicológico da pessoa quanto na
aparência externa.
O próprio Jesus, como que não
podendo ou querendo evitar sentir o sofrimento do próximo, derrama lágrimas ao
avistar a cidade de Jerusalém e refletir sobre a consequência mortal dos
pecados; Ele também chora com Maria, após ver que ela estava profundamente
triste com a morte de seu irmão. E é ainda bem provável que em sua Agonia no Getsêmani,
muito chorou avistando a infinita dor da separação de Deus da qual estava
prestes a experimentar na morte de cruz. Jesus não chora fingidamente e nem
desiste de tudo por causa dos seus sofrimentos, mas observa avidamente a
efetividade do Plano Divino, numa certeza absoluta de que o ato final de sua vida é consumador das iniquidades, e que a morte não é o fim, mas um recomeço.
Gostaria de poder escrever sobre o
fim do livro "Crime e Castigo", de Dostoiévski. Mas não quero dar
spoilers e nem ser tão exaustivo aqui. Perguntem-me sobre isso.
Não
devemos também tentar evitar que uma criança chore diante do sofrimento e da
dor que sente, em uma tentativa de represar a sua lágrima estamos na
verdade impedindo que esta criança aprenda a reconhecer as dores e sofrimento
desta vida, algo que certamente é impossível de fazer. Um dia ou outro ela irá
sofrer e precisará chorar por isso. Devemos ensinar a elas que a dor um dia
passará e que chorar diante de situações que não estão em nosso poder de ser
diferente é a primeira coisa que podemos fazer.
Acredito que o fato de não
externarmos o que pensamos ou sentimos acaba por dificultar o nosso progresso
na vida. Mas não é um simples ato de externar tudo o que vêm à mente sem
qualquer reflexão sobre tais pensamentos, pois há ainda muitos que preferem
externar suas convicções irrefletidas num egoísmo perverso ou até mesmo num ato
de externar fingido e destituído de qualquer sentimento realista sobre a
própria condição. Externar em lágrimas é fazer da consciência algo que encontra
a realidade da nossa vida cheia de sofrimentos. É como Hannah chora no final do
filme "O grande ditador", desabafando consigo mesma e reconhecendo
sua humanidade frágil contrastada ao pensamento mecânico da época; mas numa esperança
de que algum dia toda lágrima secará e haverá uma consolação que perpétua toda
extensão do futuro para aqueles que não vivem indiferentes para a realidade.
Aquele que nunca chorou, que atire
a primeira lágrima.
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